Raios e trovões: o céu despenca, em uma fúria de sons e
luzes,
como nunca se viu antes. Estamos protegidos por longas
paredes
e muros altos. A tempestade bate à porta furiosa, porém aqui
ela
não entra. Escuto teus ruídos como animais que estão a
cercar sua
presa, cantos malditos por corredores vazios. A chuva molha
a
vidraça, escorre contornando uma silhueta feminina, um
reflexo
que espreita pela porta logo atrás de mim, um leve sorriso,
um
movimento de mãos e uma taça vazia que anseia por mais
vinho.
Invado teu recinto e teus olhos com a minha pálida face, com
os
meus sôfregos passos, com a luz de parasselênio do pequeno
castiçal
que carrego. Clair de lune flutua pelos corredores escuros
em busca
de mais um cálice de vinho, bebida que mancha minha pele com
sangue
e mancha teus macróbios lábios com versos negros de invernos
cinzentos.
Rogo que o inverno de nossa alma vague, com o som de
Debussy, pelo
interior deste castelo e que se esconda, em velhos baús
abandonados, pelos
esquecidos aposentos das óperas outrora dramatizadas por
insanos solitários.
O silêncio nasce antes do estremecer da terra. Na escuridão,
guiado por
afagos da luz amarelada, das velas e do cristal das taças,
reluz o doce amargo
do vinho. Uma visão: através da grande vidraça, as copas das
árvores, em seu
balançar, dançam tomadas por seus pares, os impetuosos e
delicados ventos.
“A última taça, minha estimada”, assim é oferecido. O último
olhar lançado à
tempestade antes que ela cesse, antes que a música silencie,
antes que as velas
se apaguem, antes que o dia nasça e, com ele, retorne o
velho Sol brilhante.
Teus dedos já não tremem como antes e teus olhos já não
sangram como
costumavam sangrar. Minhas mãos já não são gélidas e meus
desejos
tornam-se cálidos. O vinho se faz insuficiente e o silêncio
se transforma
em uma eterna melodia celta. Os pedidos nascem na garganta e
desabam
ao estômago. As gotas da chuva presas nas vidraças voam
direto às nossas
faces e tornam-se lágrimas pesadas de almas que foram
olvidadas por um
deus desconhecido. Não há luz. Não há sabor. Não há
silêncio. Há dor.
Por outra vez – e para sempre – há o vetusto medo de não ser
o que se é.
Caos Eterno - Por Laís Grass Possebon
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